Tranny
A libertação de Laura Jane Grace

Tranny é a terceira autobiografia escrita por um músico LGBT que li nessa quarentena. Baseado nos diários que Laura Jane Grace manteve desde a juventude, vemos dentro do panorama da história de sua banda, Against Me!, sua jornada de aceitação.
A raiz da ideologia punk deveria permitir que a cena fosse um espaço seguro e livre para as pessoas se expressarem, enquanto elas representassem seus princípios e se mantivessem longe das grandes corporações. Na prática, em muitas cenas, a roupa errada, o cabelo longo demais ou um som que não se encaixe no que as outras bandas estão fazendo é o suficiente para excluir alguém.
O Against Me! nasceu dessas ideias e por anos foi um representante exemplar do DIY, usando sua música como uma manifestação política. Todo esse respeito conquistado não sobreviveu ao momento em que eles assinaram com uma grande gravadora, sendo tachados como traidores. Daí seguiram inúmeros boicotes, vaias e confusões nos shows, até brigas de bar que acabaram em tribunal.
Mas dentro dessa cena dominada pelo masculino, se escondia um conflito maior do que o crédito punk da banda: a disforia de gênero de sua vocalista. Presente desde memórias remotas da infância, Laura Jane Grace tentou reprimir esses pensamentos com álcool, drogas e excessos, exorcizando a dor nas músicas e revelando fragmentos secretos de si em suas letras. Na superfície, se obrigava a rir junto enquanto os companheiros de banda faziam comentários transfóbicos. Por dentro, sentia o imenso desconforto de saber que poderia um dia ser alvo da mesma discriminação.
O que os fãs iriam pensar? O que a banda vai pensar? Sua esposa? Sua filha? Gradativamente percebeu que a transição não se tratava de uma escolha. E que ia custar muito.
Foi uma decisão que quase dissolveu a banda, mas que trouxe seu disco mais aclamado pela crítica. Corroeu o casamento com o amor de sua vida, enquanto a representatividade de uma pessoa trans na frente de uma banda punk trouxe toda uma nova leva de fãs inspirados por sua história dentro e fora da cena.
Esse livro funciona como uma libertação tanto quanto o álbum Transgender Dysphoria Blues, onde pela primeira vez sua identidade não esteve escondida nas entrelinhas. Laura Jane Grace pode finalmente ser ela mesma.