Laura Dean vive terminando comigo

Freddie vive numa constante insegurança. Olhando o celular repetidamente esperando a próxima mensagem. Sem saber onde sua namorada está, quando vão se ver ou... quando Laura Dean vai resolver terminar com ela de novo.
Minha primeira sensação após terminar a leitura foi que faltava algo em Laura Dean. Eu tinha dificuldades para enxergá-la como uma pessoa real, de encontrar algo que me fizesse entender a atração que todos têm por ela, algo além de sua beleza superficial, alguma justificativa para seu comportamentos negativos. Mas eu estava procurando pela coisa errada.
As convenções da ficção estão plantadas no meu subconsciente e eu instintivamente acabo procurando até pelas que rejeito. Cercada de obras de todos os gêneros que romantizam relacionamentos abusivos e em que a protagonista tem a missão de compreender, tolerar e salvar seu par romântico, já parece natural esperar que Laura Dean tivesse algum tipo de arco de redenção. Mas essa não é uma história de romance. E não é sobre Laura Dean. Nem mesmo é de fato sobre o relacionamento delas, mas sim sobre a Freddie.
Com o relacionamento sempre em cheque, a relação suga sua energia. Ela se torna incapaz de focar em qualquer outra coisa e abandona qualquer compromisso pela oportunidade de estar com a Laura e poder aliviar aquela sensação. Seus problemas amorosos são seu único assunto e essa contradição com a incapacidade de abandonar aquilo que lhe faz mal acaba afastando-a das pessoas preciosas para ela.
Laura Dean é uma péssima namorada. Ela fere com o descaso. Insensível e distante, sempre na defensiva quando questionada. Se sente confortável quando não precisa se responsabilizar por suas ações e considerar os sentimentos alheios. A qualquer indício de conflito, sua primeira opção é terminar. Freddie tenta compreendê-la e aceitá-la, amá-la o suficiente para fazer as coisas funcionarem, cedendo à todas as suas vontades. Mas não é o poder do amor que vai salvar seu relacionamento. Isso nunca foi responsabilidade dela. E ela perde muito sem ganhar nada em troca.
Seus amigos acompanharam toda a montanha-russa que tem sido esse relacionamento, ouviram os lamentos e já deram todo tipo de conselho, que nunca são seguidos. Sua melhor amiga acaba tendo que enfrentar sozinha uma situação muito difícil, pois nos momentos em que tentou pedir ajuda para Freddie, ela nunca era a prioridade.
Mesmo com a história sendo contada da perspectiva da protagonista, não senti que vi a história somente pelos olhos dela. A identificação não veio só da pessoa que está passando pela situação de um relacionamento turbulento, mas também daqueles ao redor. Na maior parte do tempo, me senti como uma amiga ouvindo mais uma vez a mesma história de término se repetir, e me desesperei vendo de novo e de novo uma pessoa com quem eu me importo repetir o ciclo. Acho que muitos de nós já estivemos de ambos os lados.

Ler uma história que retrata um relacionamento entre duas mulheres sem que a sexualidade de ambas seja o conflito principal é uma mudança muito bem-vinda. Não que não seja importante e necessário, mas tantas dessas histórias focam em sair do armário que eu sinto falta de poder ler sobre outros temas sem perder a representatividade. Além disso, o apelo e a identificação desse tipo de história são limitados, tornando a maioria delas obras de nicho. Não quer dizer que seja uma sociedade perfeita. Conflitos existem e afetam profundamente as pessoas ao seu redor, mas sem ir por esse ângulo, a narrativa tem muito mais espaço para respirar e focar na história que quer contar.
A Freddie tem o apoio de sua família e amigos. Tanto na escola quanto no trabalho, ela tem a companhia de outros personagens LGBT e seu namoro é tratado com naturalidade. O que não quer dizer que ele seja perfeito. Como a própria Freddie diz, os ativistas lutaram para que ela pudesse ter seu coração partido assim como seus amigos héteros. O ponto é bem direto, mas nada fácil de engolir. E o apelo é universal: você pode se ver nessas situações em qualquer tipo de relacionamento.
A arte é linda, e a caracterização dos personagens é diversa e realista. O que só destaca mais o quanto a Laura Dean é retratada como um ideal. Alta, magra, branca e loira, com o cabelo lésbico descolado do momento, um padrão de beleza, confiante e charmosa. As pessoas se sentem naturalmente atraídas por ela, porém é impossível se aprofundar.
A sensação de não conhecermos realmente a Laura e não entendermos suas motivações funciona. Porque é o mesmo para a Freddie. A Laura se esconde atrás de seu carisma, sempre formal, sempre distante. Não pergunta demais nem conta demais. Se mantém na superfície. Mesmo depois de tantas idas e vindas com a Freddie, não sabe muito sobre ela. E não tem interesse em perguntar. Você nunca descobre quando ela estava falando a verdade ou não. Você nunca tem certeza do que ela sentia realmente. A Freddie também nunca soube.

Laura Dean Vive Terminando Comigo é um quadrinho escrito por Mariko Tamaki e ilustrado por Rosemary Valero-O’Connell e acabou de ser publicado no Brasil pela Intrínseca. A edição está linda, a arte é maravilhosa e vale muito a pena.Recomendo demais a compra.