Minha experiência crescendo com Naruto

E o fracasso do Kishimoto ao escrever mulheres

Minha experiência crescendo com Naruto

Naruto só parece crescer a cada dia. Transcendeu o domínio otaku e virou referência cultural aqui no Brasil. A história do garoto que sonha em se tornar hokage é repleta de personagens marcantes e momentos emocionantes. E eu argumentaria que nenhum desses personagens é uma mulher. E nenhum desses momentos é protagonizado por uma.

Eu sinto que em Naruto as mulheres existem pela simples necessidade de verossimilhança. Existem mulheres no mundo. Preciso de mulheres no mundo do meu mangá. Não é tão fácil fugir da existência de um gênero num shounen de lutinha como é num anime moe só de garotas. Mas é bem fácil torná-lo irrelevante.

Tenho visto alguns memes e frases com a intenção de exaltar as kunoichis de Konoha. Acho um movimento válido considerando o ambiente absurdamente machista em que a maioria dos fãs de Naruto se concentram. O problema é, como você vai fazer isso funcionar exaltando uma personagem feminina tão mal escrita quanto a Sakura? Ou que o único propósito é ser o par romântico do protagonista, como a Hinata?

O Kishimoto é péssimo para escrever mulheres. Tanto que me faz pensar que ele não tem o menor interesse por mulheres enquanto seres humanos. Nenhuma delas é minimamente interessante, ou tem um arco de desenvolvimento marcante. Nenhuma delas é forte num nível que consiga bater de frente com os caras ou tem alguma relevância real para história.

Pior que isso, a maioria delas saiu da Guerra Ninja pra virar não mais do que donas de casa. A Hinata, herdeira do clã Hyuuga, dona do byakugan e talvez a única garota que teve um mínimo de desenvolvimento, está fazendo o quê? Cozinhando, cuidando dos filhos e lavando louça pro hokage.

Isso me faz pensar em quando eu era criança e ia brincar de Naruto. Eu nunca queria ser uma das meninas. Eu odiava as garotas de Naruto. Elas eram sem graça, irritantes, fracas. A personalidade das duas principais meninas do início do anime giravam em torno de uma única coisa: gostar do Sasuke. Também era a única interação existente entre elas, e a motivação emocional da luta ridícula na prova chuunin.

Além disso, elas não tinham nenhum poder legal. A Sakura precisou do Shippuden para desenvolver alguma habilidade especial, mesmo sendo do trio principal, e tudo que conseguiu foi um papel de suporte e uma super força sem qualquer nuance de criatividade.

Eu queria ser um dos caras. Queria ser o Itachi, queria ser o Kakashi. Queria ser alguém forte, sério, descolado, com um poder capaz de derrotar qualquer um. E isso tornou difícil para mim acreditar que eu poderia ser essas coisas sendo uma garota. Mas era isso que eu queria ser. Era assim que eu me sentia. O que isso me ensinou a pensar sobre garotas? O que isso me ensinou a pensar sobre mim?

Claro que Naruto não está sozinho nisso. Eu preferiria ser o Trunks ou o Gohan do que a Bulma ou a Pan. Eu me identificava com o Ikki, não com a Saori. E não é nem uma questão pertinente só aos battle shounens. Na prática, é difícil achar qualquer mídia que não tenha esse problema.

O motivo de isso em particular me afetar tão diretamente era que eu amava Naruto. Por anos minha vida foi Naruto. Deixar minha internet via rádio baixando episódios em .rmvb de madrugada para assistir no dia seguinte. Eu comprei bandana, touquinha do Akamaru, fiz cosplay de Tobi, escrevi fanfic da Akatsuki. Tenho usernames e senhas inspirados em Naruto até hoje. Fiz amizades e me aproximei de pessoas graças a isso. Me aproximei da cultura otaku, descobri todo um universo de animes que eu não imaginava que existissem.

Parece exagero, mas Naruto mudou minha vida. Foi um investimento emocional tremendo. E eu adorei cada segundo. Mas eu passei boa parte da minha infância e pré-adolescência envolta numa mídia que não me representava de nenhuma forma. Para depois passar minha adolescência me degladiando com minha sexualidade e expressão de gênero. Não é exagero achar que existe alguma correlação.

Vou continuar amando Naruto por todos os seus méritos. Vou continuar relendo os primeiros volumes e mergulhando na nostalgia. Vou continuar considerando um dos meus shounens de lutinha favoritos.

Hoje eu sei quem eu posso ser e eu sei que nada me limita. Mas foi um longo caminho para enxergar isso sozinha. Espero que outras garotinhas tenham uma experiência diferente. Espero que elas vejam She-ra e Steven Universe e se achem o máximo. Espero que um dia existam animes populares que dêem essa mesma sensação.