Blooming Sequence

Tudo que um webtoon Girls Love deveria ser

Blooming Sequence

Existe tão pouca representação lésbica em animes e mangás que eu costumo aceitá-la em qualquer forma que me for apresentada. Agir como se você fosse o cachorro perdido da garota que você gosta? Tudo bem. Relacionamentos abusivos, histórias mal escritas e altamente sexualizadas? Beleza. E os mangás com enredos no estilo “mas elas não são irmãs de verdade” e “temos namorados e isso é só brincadeira”? Já li todos, mesmo que problemáticos ou de qualidade duvidosa.

Então eu li Blooming Sequence. E ele me fez perceber o quão pouco eu tinha esperado de Girls Love e yuri até ali.

Tudo bem escapar da realidade às vezes, e me diverti com a leitura de vários dos webtoons e mangás que eu mencionei. Apesar dos apesares, eles não são necessariamente ruins. O que eu mais busco nessas histórias é identificação, e em cada uma tem um pouco de mim, uma afirmação de que eu existo e posso existir.

E estou acostumada com isso. Com todos os relacionamentos conturbados e desenvolvimentos pouco realistas. Foi assim que a maioria das histórias LGBT chegaram para mim e até como eu descobri que esses tipos de relacionamentos podiam existir, mesmo em mídias ocidentais. Foi por onde eu explorei as possibilidades enquanto uma adolescente no armário cheia de dúvidas e foi importante e necessário, mesmo que não ideal.

Agora, como uma mulher de 23 anos fora do armário que já teve experiências reais de relacionamento, tem muita coisa difícil de engolir.

Claro, eu sou brasileira, e mesmo consumindo animes e mangás desde a infância, estou muito distante dessa cultura e do ambiente que gera essas histórias. Por mais que eu tenha uma ideia geral, tenho pouca noção real de como é ser gay nesses países, e a forma como isso é traduzido na mídia não ajuda.

Existem alguns mangás incríveis como Shimanami Tasogare e O Marido Do Meu Irmão que tratam de temas LGBT com delicadeza e profundidade. Mas quantos Minha Experiência Lésbica Com a Solidão existem para cada Netsuzou Trap? Além disso, eu não quero só boas histórias sobre ser gay. Quero boas histórias em que por acaso os personagens são gays. E isso é muito mais difícil de encontrar.

Blooming Sequence é um webtoon coreano publicado no Lehzin, e eu esperava que tivesse a mesma energia de algo como The Love Doctor ou What Does The Fox Say. Divertido, ótima arte, porém longe de ser espetacular ou emocionante. O começo da obra tem um tom similar, mas seu desenvolvimento vai por outra linha.

Não é algo dramático. Não é como se tivesse uma completa mudança de tom ou de eventos comparada aos seus semelhantes. É mais como se ele contasse a mesma história, porém no mundo real. Com problemas reais e pessoas de verdade. De novo, sem nenhuma mudança dramática na forma de contar essa história. Isso é feito de forma simples e sutil.

São as pequenas coisas que nos deixam com medo. As reações que não podemos prever das pessoas que são importantes pra nós. Pequenos sinais que você não tem certeza se os outros estão detectando ou não. O medo de que alguém que você conhece pode estar por perto onde quer que você esteja. Só se sentir segura quando estão só vocês duas. Vocês podem andar de mãos dadas em público? Seus amigos já perceberam quão próximas vocês estão? Eles suspeitam alguma coisa? E se eles suspeitarem? E se eles souberem?

Eu não posso medir o realismo dessa situação na Coreia, mas eu reconheci esses momentos. Eu vivi isso, e essa sensação é semelhante em qualquer lugar do mundo em que você esteja. Eu me identifiquei e isso validou minha experiência.

Esse não é nem de longe o tema principal da história, mas são elementos da realidade das personagens, que afetam seu relacionamento. Ambas tem objetivos, amizades, conflitos do passado, problemas familiares para resolver e crescimento emocional pelo qual ainda tem que passar se quiserem ficar juntas de forma saudável. Elas são falhas, e estão dispostas a mudar e ajudar uma a outra nesse caminho.

Seowoo e Hayoung são duas estudantes universitárias que se conhecem no clube de cinema da faculdade. Compartilhando do interesse por filmes de Hong Kong como Chunking Express e Amor à Flor da Pele, elas se aproximam e desenvolvem sentimentos mútuos. Seowoo, a presidente do clube, tem dificuldade para lidar com pessoas e confrontar seus pais, mas é admirada por todos os amigos próximos e está cheia de expectativas com sua primeira experiência romântica. Hayoung aparenta ser muito mais extrovertida e animada, mas está hesitante, pois ainda lida com o término de seu relacionamento anterior e por isso não tem confiança de que o novo poderia funcionar.

As motivações do casal principal fazem sentido e a maturidade conquistada no decorrer da história é visível. É uma lição em como desenvolver um relacionamento e como tratar uma a outra. O ritmo não é lento demais para criar expectativa ou rápido demais para gerar conflitos, é natural e satisfatório. Nós temos tempo para vê-las se interessando uma pela outra, se conhecendo, se aproximando e aprendendo a lidar com a relação. Os coadjuvantes são divertidos e bem construídos, com até a ex-namorada maligna tendo sua própria história e se redimindo dessa caracterização.

Não poderiam todos os Girls Love e yuri serem desse jeito? Nem todas as histórias precisam ser centradas nos temas de homofobia e como gays são vistos na sociedade, mas será que elas precisam mesmo existir num mundo de fantasia onde isso não existe ou é ignorado? Blooming Sequence conta uma boa história incluindo esses elementos, e é tão mais rica por conta disso. Quero muitas outras obras assim.